sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

TIO

Era um homem de poucas palavras. Observador, dizia só o que era para dizer, mais nada. Falava estritamente o necessário, ninguém dava por ele.
E não se queixava. Não se queixou  mesmo quando ontem ao final do dia a morte  lhe bateu à porta... sem um "ai", discreto na morte como na vida.
Estou triste.  Sempre que a morte "aparece" invade-nos uma tristeza: a pena de quem morreu e a nossa pena - a de ficarmos sem a pessoa que se foi (egoísta este sentir). Para quem vai é o adormecer, o ir embora, o deixar-nos para sempre... para quem fica são as saudades no coração.
O tio foi para a Guiné aquando da guerra do Ultramar. Recordo-me da minha mãe vibrar quando tinha notícias do irmão. Um dia soube dos aerogramas (ninguém se deve lembrar), que eram papeis tipo o das cartas com marca de água e que se abriam género telegrama. Enviar um aerograma de guerra era uma forma de comunicar e uma certeza de que eram sempre recebidos. E a minha história com os aerogramas era que eu escrevia ao meu tio. E a minha mãe tinha mais notícias dele através de mim. Durante toda a guerra colonial foi assim que soubemos do tio. Quando voltou estava ainda mais metido consigo. Lá se casou com a Maria que é o oposto:gargalhada fácil, simpática e comunicativa... enche uma casa. E tenho dois primos. E viveram todos felizes até que o tio começou a cansar-se muito. Coração! Maldito coração que nos trai e nos alimenta... órgão da contradição. Depois, nunca mais foi o mesmo. Cansado que não era vida (como chegou a comentar). Foi operado, colocaram-lhe um "pacemaker" e animou. Já ia dar uns passeios à tarde, ele e a Maria... Mas foi sol de pouca dura e o coração voltou a traí-lo perto do Natal. Ia para o hospital, voltava do hospital. Um dos dias em que lhe telefonei disse-me "gosto muito de ti". Estranhei tanto. O tio sente essas coisas mas não as diz. E disse-me. Foi a sua forma de se despedir.
Adeus tio, adeus e fique em paz.  
 
 

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